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Poderia ter morrido. Ele apontou na minha direção’, diz primeira a ficar na mira de atirador de Suzan

Poderia ter morrido. Ele apontou na minha direção’, diz primeira a ficar na mira de atirador de Suzan

SÃO PAULO – Isabella de Oliveira, de 17 anos, fez aniversário um dia antes do ataque a tiros na escola Raul Brasil. A partir deste ano, no entanto, ela passará a contar o dia como um renascimento: ela estava na secretaria quando Guilherme Taucci Monteiro entrou no colégio e apontou a arma em sua direção.

O GLOBO conversou com ela com autorização de seus pais, moradores de Suzano. Cinco meses antes da tragédia, ela voltou a estudar no Raul Brasil depois de passar alguns meses em outro colégio, mais perto de sua casa, mas com altos índices de violência.

Depois dos primeiros tiros na secretaria, ela ainda viu o atirador quando ele foi em direção ao centro de línguas. “Meu coração começou a disparar, falta de ar, eu comecei a passar mal. Eu ficava na mente orando “Pai Nosso”, pensando “Socorro, socorro” e “Eu quero a minha mãe, alguém chama a minha mãe”, conta.

Isabella de Oliveira tem 17 anos
Isabella de Oliveira tem 17 anos Foto: Edilson Dantas

Onde você estava quando o atirador entrou na escola?

Eu estava na secretaria entregando os papéis que minha mãe tinha mandado para fazer meu cartão do ônibus. Fui conversar com a diretora Lilian, para perguntar se ela podia assinar para mim. Ela falou: “Tá bom, fala com a Marilena (coordenadora, uma das vítimas, que estava na frente da secretaria)”. Aí, lá, conversei com uma amiga da minha mãe e não tinha notado que o atirador tinha entrado. Eu virei, ouvi o disparo passando (do lado do meu ouvido), e o vidro (estourou) com tudo.

Como foi isso?

Ele (atirador) apontou na minha direção e quase acertou minha cabeça. Foi por pouco que ele não acertou a minha cabeça. Foi um desespero. As pessoas começaram a correr e eu corri. Corri e tropecei. Caí perto da escada e outra menina caiu perto de mim. Quando ele deu outro disparo, eu estava virando a pilastra (próximo a uma escada que dá acesso ao pátio) e estavam todos desesperados. Uns estavam indo para a cantina, outros para o banheiro, outros estavam pulando o muro. Eu não sabia para onde ir.

O tiro passou muito perto?

Sim. Quando eu fui virar, ele (o tiro) foi direto do lado esquerdo da minha cabeça, eu ouvi o som (do projétil). Pensei que era uma arma de tinta. A minha mente começou a pensar: “Nossa, o que está acontecendo?” Demora para perceber. “É brincadeira isso? É trolagem? São meninos brincando?” Quando vi o sangue, vi que não era brincadeira.

Para onde você foi?

Tinha um monte de pessoas na porta do CEL (Centro de Línguas). Eu me escondi atrás dessas pessoas. Ele veio e começou a atirar no chão. E a atirar nas pessoas. Eu ouvia gritos. Tinha um menino que estava perto da sala. Ele começou a falar “Não me mata, não me mata, não me mata” e o atirador atirou umas cinco vezes (na direção deste menino, uma das vítimas).

O que você fez?

Ele se distraiu quando foi recarregar a arma. Se a gente ficasse ali, ele ia matar a gente. Então pulei o portão do CEL (o centro de línguas é uma estrutura dentro do colégio, mas num espaço isolado) e assim foi todo mundo pulando o portão. A gente deu a volta e ficou atrás, e um aluno ficou de vigia na ponta. Se eles soubessem que a gente estava naquele corredorzinho os dois iam cercar e começar a atirar na gente. Não sei como eles conseguiram abrir o portão do CEL, porque estava trancado. Eu nunca subi um portão na minha vida. E o portão do CEL é alto. E eu subi aquilo. Um amigo meu pulou o muro da quadra. Tem 3 metros. Pular um muro de três metros? Na hora do desespero a gente não pensa nas circunstâncias, só vai.

Como foi ficar dentro do CEL?

Um amigo meu estava ligando para a polícia e nada da polícia atender. Depois eu liguei e nada da polícia atender. Um menino começou a passar mal, eu falei: “Meu Deus, o que está acontecendo? Quem é esse homem? O que ele quer?”. Foi uma coisa tão assim de repente, aquela intenção de matar quem ele visse. Foi assim: se ele visse alguém andar, ele já atirava. O meu amigo falou para ficar em silêncio, porque se eles ouvissem a gente iam matar ali mesmo. Assim que eu falei “abaixa, abaixa, abaixa”, eu ouvi a sirene da polícia.

Que sensação você tinha?

Meu coração começou a disparar, falta de ar, eu comecei a passar mal. Eu ficava na mente orando “Pai Nosso”, pensando “Socorro, socorro” e “Eu quero a minha mãe, alguém chama a minha mãe”. Eu fiquei pensando nas minhas amigas, que estavam na biblioteca. Eu vi ele matar o menino. Eu pensei que ia morrer quando ouvi o disparo quase batendo na minha cabeça. Não raciocinava. Eu pensei que ia morrer.

Como saiu da escola?

Eu fui quase a última a sair, porque eu estava esperando a polícia chegar. Eu estava com medo de me deparar com um deles. Eu não sabia quantos eram e no começo falavam que eram quatro. Dois em cima e dois embaixo, os dois embaixo atirando e dois em cima tramando alguma coisa. Quando eu fui ver, eram dois. A polícia não falou nada, estava com escudo se protegendo e só fez assim com a mão e meu amigo acenou para a gente passar correndo.

 

O que viu quando saiu do CEL?

Nesse momento que eu me deparei com os corpos, com o sangue, celular jogado no chão, blusas, perto da secretaria, (o corpo das) as funcionárias. Eu falava: “Meu Deus, o que está acontecendo?”. O policial na porta falou para a gente levantar a mão. Assim que eu saí da escola, eu estava desesperada, não tinha para onde ir.

Você conhecia algum dos atiradores?

Não lembro, talvez de vista. Um dos meus amigos disse que já tinha visto ele (Guilherme) antes disso tudo acontecer, para ver o movimento da escola, para observar, há pouco tempo. Ele já estava marcando, porque entrar de repente assim, não tinha como, né?

A porta da escola estava destrancada?

Estava. Quando os pais resolvem alguma coisa (na secretaria), costumam ir no intervalo, porque no horário da aula os professores ficam na sala.

Como você está agora?

Eu estou em pânico, muito assustada. Quando chego perto da escola, quando vejo a cena passar na minha mente. Um monte de coisa passa pela minha mente: eu poderia ter morrido. Eu ia ser a primeira ali. Ele apontou na minha direção.

Acha que vai voltar para a escola?

Insegurança, né? E se acontecer de novo? Falam que tem mais (atiradores), né? E os outros? E se acontece algo pior? Eu fico naquela, com um pé atrás, cautelosa. A insegurança, o pânico. Ainda mais a imagem que eu vi, que me deparei com meus amigos, a Marilena no chão. Eu não pretendo muito (ir) não, estou com medo. Quando eu estiver preparada, eu volto. Minha mãe falou que ia procurar um psicólogo.

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