20 líderes do Comando Vermelho se refugiam no Rio e seguem gerenciando a facção em Alagoas.
Ir à faculdade de odontologia com motorista particular é privilégio de poucos, coisa que um cidadão comum em Alagoas talvez não consiga ter ou proporcionar, mas para a filha de José Emerson da Silva, o Nem Catenga, de 40 anos, essa é uma realidade diária. Outra situação também longe do trabalhador alagoano é passear de lancha em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, com lagostas no cardápio, coisa que José Emerson fez recentemente e registrou nas redes sociais.
Nem Catenga não é nenhum empresário de sucesso. Não de produtos lícitos. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP-AL), ele é o chefe da facção criminosa Comando Vermelho (CV) no estado, mas há cerca de seis anos não pisa aqui. Nem Catenga está no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, de onde controla todo o negócio criminoso. E ele não é o único alagoano da quadrilha refugiado por lá.
Segundo a SSP-AL, cerca de 20 líderes do CV estão escondidos no Alemão, que virou uma espécie de “quartel-general” do crime. O delegado Gustavo Henrique, chefe da Inteligência da SSP-AL, é categórico ao dizer que “as principais lideranças da facção Comando Vermelho daqui de Alagoas hoje se encontram homiziadas no Rio de Janeiro”. Além de Nem Catenga, outro traficante conhecido como Zé Dirceu, que é o segundo na hierarquia da facção, também está no Alemão. Juntos, segundo o delegado, eles decidem o rumo dos negócios no estado.
Gustavo Henrique explica que dois fatores foram determinantes para a fuga desses criminosos para o Rio de Janeiro. O primeiro, segundo o delegado, são as operações policiais contínuas das forças de segurança de Alagoas. Já o segundo fator foi o entendimento da Justiça que impôs restrições à realização de incursões policiais em comunidades do Rio de Janeiro.
Na semana passada o nome de Nem Catenga voltou ao noticiário após a polícia ter apreendido um fuzil que teria sido, segundo as forças de segurança do Estado, enviado por ele do Rio de Janeiro para Alagoas. O fuzil primeiro chegou ao bairro do Clima Bom, na parte alta da capital, que é uma área sob influência do CV, e depois foi enviado para a Levada, na parte baixa, também sob influência da facção. O armamento seria usado numa guerra que já dura meses entre os traficantes do CV que atuam da Levada até o Trapiche da Barra contra traficantes rivais que agem no Bom Parto, área de interesse do CV.
O chefe da inteligência da SSP-AL detalha que, atualmente, o CV detém hegemonia no comércio de entorpecentes em várias regiões de Alagoas. “Toda essa parte baixa da Orla Lagunar, Levada, Brejal, Vergel, os três conjuntos Virgem dos Pobres, Mutirão”, elenca Gustavo Henrique. O delegado acrescenta, ainda, que as outras áreas de influência do CV são o bairro do Clima Bom, a cidade de Rio Largo, que fica na Região Metropolitana de Maceió, e todo Litoral Norte, de Paripueira até Maragogi. “Essas são as principais. Lógico que tem focos menores. Benedito Bentes tem focos do CV. Cidade Universitária, especificamente no Maceió 1, é Comando Vermelho, mas o Village Campestre já é neutro. Eustáquio Gomes é dividido”, completa.
O delegado explica que a facção tem uma hierarquia estabelecida, tal qual uma empresa. Encabeçada por líderes nacionais, o CV tem ainda líderes para cada uma das cinco regiões e líderes estaduais, que em Alagoas são Nem Catenga e Zé Dirceu. Dentro do estado, os gerentes das áreas que tocam os negócios.
Gustavo Henrique relata que em áreas maiores existe a figura do gerente operacional, que trata da logística de recebimento e venda da droga, e o gerente financeiro, que cuida do dinheiro arrecadado e sua destinação. Na base dessa pirâmide está o aviãozinho, que é quem vende a droga, executa os inimigos e cumpre as demais ordens. O delegado relata que o aviãozinho é o que menos tem lucro na empreitada criminosa, agindo muitas vezes para obter droga para si próprio e conseguir algum respeito dos líderes.
O gerente, segundo Gustavo Henrique, já recebe algum valor, mas a maior parte vai para os líderes estaduais, que, por sua vez, repassam uma parte do dinheiro para a liderança nacional para bancar a estrutura da facção.
Gustavo Henrique conta que as decisões acerca da dinâmica criminosa nessas regiões onde a facção atua passam pelos líderes que estão no Rio de Janeiro. “Inclusive, é muito frequente, é muito comum, os gerentes se deslocarem daqui para o Rio de Janeiro para receberem orientação pessoalmente, como tomar alguma área, determinar execuções, principalmente execuções de lideranças de facções rivais. Eles não se arriscam em passar essa comunicação de outra forma que não seja pessoalmente”, revela.
O chefe da inteligência da SSP conta que ao chegar no Rio de Janeiro esses líderes estaduais chegam com status elevado. “Eles vão ficar lá na comunidade num VIP, numa espécie de hotel cinco estrelas”, conta.
O delegado Gustavo Henrique destaca, no entanto, que o termo correto a ser usado acerca das áreas onde há atuação do crime em Alagoas é “área de influência”, ao invés de área de domínio. Segundo ele, não há no estado um lugar sequer onde a polícia não consiga entrar a hora que quiser.
Além disso, o chefe da inteligência ressalta a ajuda da população dada por meio do disque denúncia. “Tanto prisão importante, tanta operação que a gente já deflagrou aqui que começam no disque-denúncia”.
Questionado sobre as chances de prender Nem Catenga e outros traficantes refugiados no Morro do Alemão, o delegado diz que é muito difícil na conjuntura que está posta, mas não impossível. “O local onde eles estão já é naturalmente difícil e esse entendimento do STF”, resume.
Por fim, o delegado lamenta que a engrenagem do crime é movida e renovada com constância, e destaca que o problema do tráfico de drogas não será resolvido somente pela segurança pública, pois tem origem social.
Da redação com GazetaWeb
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