Home / Brasil/Mundo / Fuga da Faixa de Gaza: o diário de uma saga diplomática.

Fuga da Faixa de Gaza: o diário de uma saga diplomática.

Da eclosão do conflito à chegada dos 32 refugiados a Brasília, governo se mobilizou em intensas e insistentes negociações. Do Ministério das Relações Exteriores à Presidência, não faltaram empenho e paciência.

A repatriação de 32 brasileiros da Faixa de Gaza, no último dia 13, foi o desfecho de intensas e delicadas negociações diplomáticas que duraram pouco mais de um mês, pilotadas pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Desde o ataque terrorista do Hamas a vilas israelenses perto da fronteira com o enclave palestino, em 7 de outubro, o governo se mobilizou para retirar de Israel, da Cisjordânia e de Gaza aqueles que decidiram voltar ao Brasil.

Vieira voava de São Paulo para Doha, no Catar, quando soube do ataque do Hamas. Ainda no avião, escalou a secretária-geral do MRE, embaixadora Maria Laura da Rocha, para coordenar o início do resgate dos brasileiros.

“Maria Laura foi fundamental. Ela pegou o touro pelo chifre, reuniu imediatamente o ministro da Defesa (José Múcio Monteiro) e o comandante da Aeronáutica (Marcelo Damasceno) e montou a operação de repatriação”, disse ao Correio um embaixador que acompanhou de perto as negociações.

A partir daí, Vieira cumpriu uma verdadeira maratona aérea. Foi a sete países e percorreu, em 25 dias, uma distância correspondente a quase duas voltas e meia ao planeta.

Nos primeiros dias do conflito, o chanceler pretendia visitar Indonésia, Camboja e Filipinas. Em Jacarta (Indonésia), fez o primeiro de quatro contatos com Sameh Shoukry, chanceler do Egito — país que controla o posto de fronteira de Rafah, ao sul de Gaza.

Vieira conversou ainda com seu homólogo israelense, Eli Cohen, para agilizar a saída dos brasileiros que estavam em Israel quando da eclosão do conflito. A autorização veio em 9 de outubro, e o primeiro voo decolou de Tel Aviv no dia seguinte com 211 passageiros.

O chanceler também manteve contato com seu congênere do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al-Thani — que fez a ponte para o diálogo com o Hamas. Nesse momento, o terceiro avião da Força Aérea Brasileira (FAB) decolara de Tel Aviv com mais uma leva de repatriados.

Ponte com a ONU

Em 13 de outubro, Vieira presidiu a primeira reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, cuja presidência temporária era brasileira, que discutiu a crise no Oriente Médio. Antes de embarcar para São Paulo, conversou com os chanceleres da Jordânia — que controla as fronteiras com a Cisjordânia — e da Autoridade Nacional Palestina, para viabilizar a saída de brasileiros e a logística para que pudessem atravessar a fronteira jordaniana (30 brasileiros, uma jordaniana e um palestino deixaram Omã em 1º de novembro).

Em 18 de novembro, mais de 1,1 mil brasileiros tinham deixado a zona de guerra. Nesse mesmo dia, o chanceler embarcou novamente para Nova York para acompanhar, no Conselho da ONU, a votação da resolução costurada pelo Brasil para um cessar-fogo — vetada pelos Estados Unidos, apesar do voto favorável de 12 países e duas abstenções.

O maior problema para a diplomacia brasileira foi viabilizar a saída de 35 pessoas que pediram ajuda para deixar a Faixa de Gaza, bombardeada ininterruptamente pelos israelenses. O Egito se recusava a abrir o posto de Rafah, mas a representação diplomática do Brasil na Cisjordânia reunira o grupo (reduzido para 32 integrantes), que só aguardava a autorização para sair do enclave.

“O primeiro esforço foi o de entender o que estava em jogo, o que dificultava a abertura da fronteira”, disse o embaixador, ouvido pelo Correio. O Egito não queria correr o risco de receber uma onda de refugiados palestinos, mas sofria pressão internacional para liberar a entrada de ajuda humanitária.

Vieira seguiu, então, para a cúpula, organizada pelo Egito, para discutir a guerra Israel x Hamas. Paralelamente, o Itamaraty mantinha contato com o Catar, único intermediário no diálogo com o Hamas.

A lista dos brasileiros que queriam deixar Gaza foi enviada a Israel e ao Egito, que ainda discutiam as condições da passagem por Rafah. Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se engajou no resgate e telefonou para os presidentes do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi; de Israel, Isaac Herzog; e da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.

Também em Brasília, subia a pressão de um grupo de assessores palacianos e políticos do PT para subir o tom com o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine. Lula, porém, manteve a posição acordada com o Itamaraty, de não causar ruídos com Tel Aviv até que os repatriados deixassem Gaza.

O Correio apurou que Zonshine foi ao Itamaraty duas vezes para dar explicações ao secretário de Oriente Médio e África, embaixador Carlos Sérgio Sobral Duarte. Em uma das reuniões, também estava presente a embaixadora Maria Laura. O representante israelense, porém, protagonizou um capítulo constrangedor para o Planalto ao participar, em 8 de novembro, de uma reunião na Câmara dos Deputados que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Novamente, Lula foi pressionado para adotar uma posição mais dura contra Israel. Mas havia a expectativa de que os brasileiros poderiam deixar Gaza a qualquer momento. “Brigar com o embaixador serviria para quê? Para nada”, comentou a fonte ouvida pelo Correio. Também pesou o fato de que Zonshine fez chegar ao Itamaraty, por vias informais, a informação de que não sabia que Bolsonaro fora convidado.

Número restrito

A quantidade de gente querendo sair da zona de guerra impôs ao Itamaraty mais uma dificuldade: o posto de Rafah tem capacidade limitada para proceder os trâmites burocráticos de imigração, o que impedia qualquer prognóstico sobre a data de saída dos brasileiros.

“Parecia lógico que o Brasil ficaria no meio do pelotão. Havia outros interesses geopolíticos em jogo e que foram usados por Israel e Egito”, explicou um diplomata ouvido pelo Correio.

O Brasil só entrou no sétimo rol de repatriações. O Itaramaty, porém, tinha um trunfo para agilizar a saída dos brasileiros. Quando o Egito anunciou a terceira lista, em 3 de novembro, o chanceler Mauro Vieira telefonou para seu homólogo israelense, Eli Cohen, e cobrou-lhe uma posição. Recebeu como resposta que a autorização seria dada até o dia 8.

Mas, no dia seguinte à conversa, o Egito fechou a passagem de Rafah devido ao ataque de Israel a um comboio de ambulâncias. Na data agendada por Cohen, a fronteira foi fechada novamente. Vieira mandou uma mensagem de WhatsApp ao israelense pedindo informações sobre a situação dos brasileiros. Também conversou com o chanceler egípcio.

Em 9 de novembro, Vieira e o ministro israelense voltaram a se falar por telefone. Foi quando veio a confirmação de que o grupo em Gaza sairia assim que o Egito reabrisse a fronteira. No dia seguinte, a sétima lista trazia os nomes dos brasileiros.

No sábado, porém, novo fechamento da fronteira, motivado pelo cerco das tropas israelenses a hospitais de Gaza. Naquela madrugada, com intermediação do governo do Catar, o Hamas anunciou que a passagem seria reaberta para os estrangeiros.

No domingo, depois de 32 dias de espera, os brasileiros puderam deixar o enclave e seguir, de ônibus, para o Cairo. Lá, embarcaram em um avião da Força Aérea Brasileira rumo a Brasília.

Em Gaza, a estimativa é de que cerca de 3 mil estrangeiros ainda aguardam autorização para cruzar a fronteira.

Da redação com Correio Braziliense

Por: Arnaldo

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*